segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

O heavy metal pela ótica da imprensa


Cobertura da mídia hegemônica cria uma imagem deturpada acerca desse estilo musical

Adriana Farias
Bruna Barbosa

A cada mês, ao lotar as mais diversas casas de shows e estádios de São Paulo bandas renomadas ou não do rock and roll mais pesado, como o heavy metal, desembarcam em terras brasileiras mostrando como suas músicas sobrevivem há décadas reunindo milhares de fãs ao redor do país.

Tal resistência deve-se ao uso, nas letras de heavy metal, de temas como protestos a elementos repressores da sociedade, subversão a religiões opressoras, os medos e o lado obscuro do ser humano, musicalização de contos, história de civilizações, heróis da humanidade, trabalhos conceituais e referências mitológicas. Têm-se ainda letras sobre o louvor ao próprio heavy metal e ao rock, como forma de transmissão da paixão e da fidelidade ao estilo.

A essência do heavy metal está diretamente ligada a uma comunidade cultural desde sempre marginalizada e alvo de deturpações: o nascimento do rock and roll foi permeado pelo preconceito, pois o ritmo blues, que deu origem a ele e, posteriormente, ao heavy metal, foi elaborado pelos escravos negros americanos. Só em 1950, quando fundido com a música branca européia, o rock pôde ganhar maior dimensão e deixar de ser apenas uma música marginalizada para se tornar um sucesso mundial, projetado na imagem de Elvis Presley.

Assim, a trajetória do heavy metal, como evolução do rock, está traçada por um ciclo. Surgiu padecendo em meio a preconceitos, obteve seu auge e hoje novamente sofre com a marginalização e a imagem viciada e capitalista projetada pela mídia hegemônica.

Jotabê Medeiros, jornalista do Caderno 2 d’O Estado de S. Paulo, argumenta: “O problema da cobertura midiática é que muito do jornalismo hoje está divorciado da realidade do país. Eles vivem numa redoma, numa caixa de vidro, onde só interessa aquilo que possa vender e dar repercussão [...] O heavy metal é quase inexistente na grande mídia, a não ser que seja um fenômeno massivo como Ozzy ou Iron Maiden”.

Vitão Bonesso, produtor e apresentador do programa Backstage da rádio Kiss Fm, acredita que a grande imprensa deixa de escanteio a cobertura desse gênero mais pesado e, quando a faz, realiza “de forma superficial e incompleta, o que resulta em conclusões erradas em relação ao estilo”. Além disso, “ela não está preparada para cobrir o gênero, assim a cobertura termina sendo, como é de se esperar, rasteira, cheia de erros e sensacionalista. Os veículos específicos, claro, fazem melhor o trabalho”, afirma João Paulo Andrade, proprietário e diretor geral do Whiplash, site nacional especializado em rock e heavy metal.

Como exemplo desses distúrbios musicais da mídia empresarial, Arnaldo Jabor declarou em seu comentário a Rede Globo, na ocasião do assassinato do ex-guitarrista do Pantera, Dimebag Darrel, morto por um fã em dezembro de 2004, que “(…) os shows de rock viram missas negras que lembram comícios fascistas. É música péssima, sem rumo e sem ideal. A revolta se dissolve e só fica o ódio e o ritual vazio. A cultura e a arte foram embora e só ficou a porrada”. Assim como a revista Veja, em outubro de 2007, publicou uma matéria intitulada “Devoção à barulheira”, cujo conteúdo fazia, igualmente, apologia à discriminação, afirmando que alguns cantores do rock têm “lampejos” de inteligência e há uma “mitologia pobrinha no metal”.

A mídia hegemônica parece esquecer que o jornalismo cumpre uma função social antes de ser um veículo de caráter comercial, e a objetividade e o equilíbrio são valores que alicerçam a boa reportagem. Na verdade, o problema é de âmbito mais profundo. O Brasil carece de um bom jornalismo cultural e, inclusive, sofre de “agendismo crônico”, em que apenas são divulgados datas, acontecimentos e horários dos eventos culturais. Não há produção efetiva, não há crítica nessa área e o que se faz é mera publicidade.

Jotabê reitera a crítica ao declarar que “para falar de certos assuntos, alguns jornalistas escolhem o pior caminho, achando que só o que interessa para as pessoas é o bizarro. Então, em vez de fazer uma reportagem sobre música, acerca de uma nova cantora que apareceu e investir, tentar definir aquilo, achar um tom certo do texto, só vai interessar se ela tiver uma orelha a menos. Isso é uma matéria. Não é a música em si que interessa. E quando se fala do metal ocorre um enorme preconceito porque, para eles, interessa mostrar que o metal talvez tenha cara feia.”

Deve passar despercebido das telas e impressos da elite midiática, da qual Jabor e Veja fazem parte, eventos como o “Live Aid” organizado em grande parte por astros do rock, objetivando arrecadar fundos em prol dos famintos da Etiópia. A homenagem a Freddie Mercury, ex-vocalista do Queen, reunindo bandas do metal e do hard rock, a qual teve sua renda revertida para o combate a AIDS e a reunião, em 2006, do Pink Floyd para angariar verbas destinadas ao combate a fome na África.

Os eventos ilustram a ideologia do heavy metal, que surgiu, a exemplo do movimento hippie, como um levante da contracultura. Em resposta a uma sociedade que julgavam conservadora, seus seguidores utilizavam um visual alternativo (cabelos longos, roupa rasgada) como forma de protesto, a fim de conquistar uma comunidade mais eqüitativa.

Para Vitão, o “heavy rock sempre se mostrou forte frente a tanta asneira proferida” e Jotabê declara: “os fãs do metal são uma das galeras mais simpáticas do rock. É a platéia mais entusiasmada, mais fiel. Tem gente que vai a outros shows pops para ser fotografado. É a classe média alta que às vezes passa a maior parte do tempo pedindo snacks para comer, fica mastigando a maior parte do tempo, não está nem aí para música. Já o pessoal do metal não, é o sangue deles que está ali, é a música que eles gostam. Isso é uma diferenciação de platéia e de atitude.”

Embora muitos fãs do heavy metal se sintam ofendidos devido aos preconceitos incitados pela mídia hegemônica e a ineficiente cobertura que faz ao estilo, isso não é inteiramente relevante ao público. “Para falar e comentar besteiras, é preferível que nem se fale”, diz Vitão. Para os admiradores do estilo o importante é a paixão e o sentimento virtuoso cooptados pelo heavy metal de qualidade. Isso é suficiente. Não há necessidade de o gênero ser legitimado pela mídia.

Do romance comum ao roteiro Brilhante


Dirigido por Michel Gondry, o longa-metragem Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças é baseado no poema Eloísa para Abelardo, de Alexander Pope. A criação é do renomado roteirista americano Charlie Kaufman, autor de Quero Ser John Malkovich e Confissões de uma Mente Perigosa. A parceria rendeu, merecidamente, o prêmio de melhor roteiro original no Oscar de 2005. Estrelado por Jim Carrey e Kate Winslet, o elenco conta também com Mark Rufallo, Kirsten Dunst, Elijah Wood e Tom Wilkinson.

Mostrando que Jim Carrey não atua apenas como comediante, o ator dá um show de atuação, com uma excelente expressão corporal, em um papel totalmente oposto aos que costuma fazer. Kate Winslet prova que é uma excelente atriz, fazendo também uma bela atuação.

Jim Carrey é Joel Barish, um rapaz tímido, reservado e aparentemente solitário, que leva uma vida não muito interessante. Kate Winslet (Titanic) atua como Clementine Kruczynski, uma garota bastante extrovertida, divertida e que pretende aproveitar a vida da melhor forma possível. Joel e Clementine, em uma clássica relação em que os opostos se atraem, iniciam um relacionamento inicialmente feliz, mas que com o passar do tempo se torna perturbado e sem amor. Infeliz com o namoro, Clementine decide fazer um tratamento desenvolvido por Howard Mierzwiak, no qual todas as lembranças de Joel são apagadas de sua memória. Joel, por sua vez, profundamente decepcionado ao descobrir que sua namorada não se lembrava mais dele, descobre o tal tratamento e opta também por fazê-lo. Durante o processo Joel revive suas melhores lembranças com sua ex-namorada que em pouco tempo serão apagadas e se arrepende. Todas as lembranças felizes o fazem lembrar o quanto a amava. Ele então tenta esconder suas memórias no fundo de sua mente para que não fossem apagadas. Grande parte do filme mostra sua luta contra o desaparecimento de suas lembranças com Clementine. O longa-metragem se desenvolve em um enredo não-linear, que, por vezes, parece confuso, mas que na verdade é muito bem elaborado e complexo. Como um quebra-cabeça, os fatos vão sendo encaixados, dando clareza e compreensão ao filme. Classificado como um gênero da comédia romântica, o filme vai além de um simples romance e trás a mensagem de que sempre é possível recomeçar.

domingo, 15 de fevereiro de 2009

O poder devastador da imprensa marrom


O debate acerca da ética jornalística é algo fundamental atualmente. Mas a discussão não é de agora. Até mesmo filmes foram feitos para pôr em pauta a questão e incentivar reflexões. O longa-metragem A Montanha dos Sete Abutres é um deles. Dirigido por Billy Wilder o filme conta a história do jornalista Charles Tatum, vivido por Kirk Douglas que, após ter sido demitido de diversos jornais, consegue um emprego em um pequeno jornal de Albuquerque, no qual não pretende ficar por muito tempo. Neste momento Tatum diz algo marcante que, em poucas palavras, define a mensagem principal do filme: "Eu posso cuidar de grandes notícias e pequenas notícias, e se não houver notícias eu saio e mordo um cachorro". Na cena inicial o carro quebrado do personagem demonstra bem a situação precária em que ele se encontra e que o leva a procurar emprego em um jornal tão pequeno.

Seu objetivo, contudo, é buscar um furo de reportagem que o coloque na grande imprensa novamente. Passado um ano Charles Tatum ainda trabalha no jornal e por ordem de seu chefe e a contra gosto, o jornalista é encarregado de fazer a cobertura de um evento de caça às cascavéis. No caminho ele e o fotógrafo do jornal resolvem parar em um posto, onde por acaso descobrem o acontecimento ideal que renderia seu tão buscado furo jornalístico. Um homem chamado Leo Minosa está soterrado em uma mina – a chamada caverna dos sete abutres que dá nome ao filme – ao procurar por relíquias indígenas. O jornalista promete ajudá-lo e finge ser seu amigo.

No entanto, devido a sua enorme ambição, Tatum convence o xerife a garantir que somente ele tenha contato com o homem dentro da caverna e que o engenheiro utilize o método mais demorado e complicado para retirá-lo do desabamento. Do mesmo modo, ele consegue também fazer com que a bela mulher de Leo, Lorraine Minosa, desista de fugir e fique para faturar com sua lanchonete, que logo encheria de visitantes curiosos. Além, é claro, de corromper o ingênuo fotógrafo que acaba se tornando cúmplice. Deste modo Tatum, durante uma semana, conquista sua glória novamente. Suas notícias sensacionalistas rapidamente se espalham, tornando o ocorrido um grande “circo”. O único a realmente se preocupar com o estado do homem é o pai de Leo. Milhares de pessoas se dirigem ao local para assistir de camarote ao processo de perfuração da caverna. Suas armações, contudo, não saem exatamente como o esperado e acaba se voltando contra ele próprio.

O tema central do filme, apesar de produzido no início da década de 50, nos remete a questões atuais e de demasiada importância. A imprensa marrom, – equivalente ao yellow journalism em inglês - não tão comum naquela época, se tornou hoje algo normal e cotidiano. Manipular informações, corromper pessoas, distorcer fatos e fazer uso do sensacionalismo para lucrar com a notícia são fatores evidentes e fizeram da mídia apenas mais uma fábrica, parte do mercado capitalista, no qual o único intuito é vender. A notícia se tornou apenas mais um produto e, infelizmente, o que vende é a tragédia alheia. Caberia melhor chamá-la de “imprensa negra”. Seguindo esta lógica de mercado, é necessário lembrar que não se pode culpar unicamente a mídia, pois ela está atendendo a um pedido do mercado. Se a demanda é boa, o lucro é bom, e, portanto, mais mercadorias como estas serão produzidas. Quem garante o lucro das empresas jornalísticas é o próprio público. Isto é, o povo sustenta a imprensa marrom.

O programa “Brasil Urgente”, por exemplo, apresentado por José Luiz Datena, representa o auge do sensacionalismo atual. Desgraças e mais desgraças se tornam novelas e a mesma notícia é repetida diversas vezes no mesmo dia, como o famoso caso Isabela. Em relação à corrupção, um dos artifícios comumente usados pela imprensa marrom para conseguir notícias (como faz Charles Tatum) já não é novidade e se tornou um vício incontrolável. Distorcer notícias e até mesmo ocultá-las, passando na maioria das vezes por cima da ética e moral de tudo e de todos para conseguir o lucro do jornal e garantir a autopromoção do jornalista são atitudes supostamente condenáveis, mas nada é feito. O caso Dantas não só envolve aparelhos e personagens políticos como também a mídia, a qual fez questão de divulgar dados incompletos e superficiais sobre o caso, ou até mesmo usar artifícios mais extremos como fez a “Veja” ao acusar Paulo Lacerda de grampear uma conversa entre Gilmar Mendes e Demóstenes Torres, sendo que até hoje o áudio da conversa não apareceu. A revista “mordeu o cachorro” para gerar uma notícia inexistente em benefício próprio e defender seu aliado Daniel Dantas.

O filme, embora considerado um clássico atualmente, fracassou nas bilheterias. Fato explicável, considerando que naquela época a própria imprensa se sentiu atingida e o público se viu caricaturado. Por esse motivo os produtores decidiram mudar o título do filme originalmente lançado como “Ice in the Hole” para “The Big Carnival” e relançá-lo nos cinemas, tentativa também fracassada. Naquela época o sensacionalismo ainda não parecia ser um problema de extrema abrangência como hoje em dia. Mesmo assim o longa recebeu uma indicação ao Oscar de melhor roteiro e ganhou o Prêmio Internacional, no festival de Veneza. O filme possui um final dramático que transparece um fundo moral que quase empobrece a trama. No entanto, é um final otimista, pois representa a esperança de um novo jornalismo, mais ético e íntegro. O filme nos proporciona não só uma ótima oportunidade de reflexão sobre o jornalismo e o conceito de notícia atualmente, principalmente para os que pretendem se tornar futuros jornalistas, como também uma reflexão a ética e a moral de um modo geral.

Vai doer no bolso

Alto número de infrações no trânsito leva governo a pensar em medidas mais rígidas


Quem nunca cometeu alguma infração no trânsito? Ultrapassar o farol vermelho, estacionar em lugares proibidos e até mesmo outras infrações menos óbvias são situações comuns. Especialmente quando se fala de uma metrópole tão agitada quanto São Paulo, cujo número de carros sufoca suas ruas. O barulho é infernal e o congestionamento nem se fala. Por esses e outros motivos muitos acabam cometendo irregularidades.

O estresse e o cansaço muitas vezes servem como desculpa pelas infrações. Fatos até justificáveis. Todos querem chegar em casa cedo, depois de exaustivas horas de trabalho, assim como ninguém quer passar horas parado no congestionamento trancado em um automóvel. No entanto, as desculpas não são justificáveis para órgãos como CET e SPTrans, Detran e Contran, entre outros. Cada vez mais os motoristas parecem esquecer aquelas aulinhas de CFC (Centro de Formação de Condutores) pelas quais se espera que todos tenham passado. Mas somente quando a multa chega é que todos se lembram. Principalmente daquela aula em que se aprendem as categorias divididas entre infrações leves, médias, graves e gravíssimas.

Além da multa, que varia de acordo com a gravidade da infração, o condutor do veículo corre o risco de ter o direito de dirigir suspenso, o veículo apreendido, a CNH (Carteira Nacional de Habilitação) cassada e ser obrigado a freqüentar o curso de reciclagem. Este consiste em fazer todas as aulas de CFC e direção novamente. Aos desinformados, conforme o CTB (Código de Trânsito Brasileiro), as infrações do gênero gravíssimo significam sete pontos na carteira; as graves representam cinco; as médias, quatro e as leves, três. Para os que já cometeram alguns escorregões é possível verificar a situação no site da CET. Para Alexandre Marinho, 23, “dar umas deslizadas de vez em quando não tem problema. Todo mundo faz isso”. “Eu mesma já levei várias multas, tenho consciência de que estou errada e estou tentando melhor. O problema mesmo é quando estou com pressa”, diz Fernanda Morbach Magalhães, 37.

Segundo informações do Detran, as principais infrações cometidas são o excesso de velocidade e o desrespeito à sinalização, que deixa muito a desejar em verdade. Segundo uma pesquisa realizada em 2006, a cada ano são cometidas 30 bilhões de infrações somente em São Paulo. Em cada rua movimentada da cidade ocorrem pelo menos quatro infrações por minuto. São estes números os principais responsáveis pelas causas de acidentes no trânsito. Para Horácio Figueira, coordenador da pesquisa, “é preferível você levar uma multa por excesso de velocidade do que perder a vida ou causar a perda da vida de uma outra pessoa”.

Por esse motivo o governo tem se mostrado preocupado e, além da iniciativa já tomada conhecida como Lei Seca, prevê como solução outras medidas mais rígidas, como o aumento do valor das multas. Transportar crianças sem seguir as normas de segurança, considerada uma infração gravíssima, pode passar para R$ 325,01. No caso de embriaguez, a multa é multiplicada por cinco, podendo atingir R$ 1.575. Para os motociclistas não será mais possível passar entre as duas faixas. Essas são apenas algumas das medidas que ainda estão sendo estudadas, mas que, se entrarem em vigor, deverão exigir uma mudança na mentalidade dos cidadãos paulistanos, acostumados a ficar sempre impunes. Isso, é claro, se a fiscalização for eficiente.

Arte Marcial: Esporte e Filosofia


Em entrevista, Marcos Serra, mestre do Instituto de Kung Fu Shaolin, fala um pouco sobre a verdadeira essência da arte marcial. Quebrando preconceitos, que ainda existem, ele afirma que as artes marciais em geral não representam sinônimo de violência e agressividade. Surgido na China, o kung fu é uma das práticas de luta mais antigas, não se conhecendo ao certo a data de seu surgimento. Sabe-se que nasceu da imitação de animais por meio da qual se fazem as posições e os movimentos na luta. Existem mais de mil estilos conhecidos e mais de 400 catalogados, cada qual com suas características específicas. Segundo o sifu, como são chamados os mestres do kung fu, a arte marcial é muito mais do que uma luta, é também uma busca pelo auto-conhecimento e controle total sobre o corpo, o que requer extrema disciplina. A condição de sifu só é atingida quando todos os elementos da vida do praticante estiverem em equilíbrio. Confira a seguir a entrevista na íntegra:


1) Com quantos anos você começou a treinar Kung Fu?

Comecei a treinar caratê de dez para onze anos, depois de dois anos conheci o kung fu e foi paixão a primeira vista. A princípio eu era só um praticante. Com 15 anos surgiu a oportunidade de dar aulas como instrutor auxiliar. A partir de então me profissionalizei e em 1992, juntamente com o Sifu De Paula e o Sifu Gabriel, fundei a escola Instituto de Kung Fu Shaolin, que mais tarde se tornou Tat Wong Kung Fu Academy. Depois de alguns anos o Sifu Gabriel se afastou da academia e agora, este ano, houve uma separação entre mim e o Sifu De Paula, devido a algumas divergências ideológicas. O Sifu De Paula abriu uma nova Tat Wong e eu voltei com o Instituto de Kung Fu Shaolin

2) A partir de quantos anos é possível começar a praticar?

Com quatro ou cinco anos já é possível. Mas a escola deve ter uma estrutura especial para isso. Deve ter uma didática para lidar com crianças, pois elas devem ser muito bem direcionadas. A nossa escola é conhecida por ser uma das escolas especializadas também em treinamento de crianças. É preciso que os pais se certifiquem de que a escola está pronta para lidar com isso.

3) O que o levou a se interessar por essa arte marcial?

Eu particularmente sempre tive uma vida muito direcionada para a atividade física. Antes do caratê eu já havia feito dois anos de ginástica olímpica. As artes marciais chinesas estavam no auge aqui no Brasil, devido a um filme e um seriado que faziam sucesso na época. Um deles era “Operação Dragão”, do Bruce Lee, que foi o grande responsável por fazer o kung fu ficar conhecido no mundo. O outro era um seriado, que passava semanalmente, chamado “Kung Fu”, que marcou a década de 70. Na minha infância, inclusive, houve uma época em que a moda era brincar de luta marcial. Nós não sabíamos nada, mas brincávamos como se soubéssemos lutar. Quem me encaminhou para arte marcial, em um primeiro momento, foi meu pai. Ele chegou em casa com um quimono de caratê, achei até que fosse brincadeira. Mais tarde meus avós passaram a me apoiar, mas ninguém imaginava que eu ia me tornar um profissional nessa arte marcial.

4) Para você, o kung fu deve ser visto como uma luta/esporte ou uma filosofia de vida?

Na verdade foi essa divergência de opinião que fez com que eu me separasse do Sifu De Estão indo para um lado desportivo, o que ajuda de certa forma na divulgação. No entanto perde-se na essência, pois se começa a incentivar muito a competição. Em uma competição o que se prioriza é o resultado. Quando se fala na competição esportiva o atleta desse nível é um atleta de alto rendimento, é um atleta que está sempre entre a saúde e o limite do corpo, o que pode se transformar em uma doença ou uma lesão grave. O kung fu prega justamente o contrário. Ele nasceu com o objetivo de trazer uma qualidade de vida para o ser humano. Porém não uma qualidade de vida que a nossa sociedade procura atualmente, que a qualidade de vida do ter, dos bens. A arte marcial tem como objetivo o conhecimento da essência do ser humano, do ser. Na prática marcial a qualidade de vida é a questão do equilíbrio físico, mental e espiritual. Portanto a luta não deve ser considerada um esporte. Pode-se até ser vista como uma atividade corporal. Mas é principalmente uma filosofia que leva ao auto-conhecimento. É uma forma de viver.

5) O que você acharia se o kung fu entrasse para as Olimpíadas?

Já há um projeto. A China está fazendo um campeonato mundial paralelo às Olimpíadas, que irá acontecer lá. A abertura vai ser completamente baseada no visual de arte marcial chinesa, com o intuito de mostrar para o mundo o que é ela. Porém transformaram essa arte milenar, que possui mais de 400 estilos diferentes – cada qual levando mais ou menos de 20 a 30 anos para se desenvolver – em competição. Criaram nove rotinas de coreografias para que o mundo inteiro possa competir com elas. Terá também a parte da luta que, por ser desportiva, é carregada de regras. No verdadeiro kung fu, contudo, não há regras. Isso limita o ser humano. A arte marcial tenta quebrar conceitos. A luta é só um percurso para o auto-conhecimento. Não se trata de uma questão de perder ou ganhar. A participação do kung fu nas Olimpíadas faz perder a verdadeira essência da arte.

6) Você acha que o kung fu pode ajudar a diminuir a agressividade nas pessoas?

O kung fu é uma superação, é uma busca interna para que se possam controlar as emoções. A arte marcial é como uma terapia. Primeiro vem técnica, o domínio físico, que muitos pensam ser a parte mais difícil mas, que na verdade, é a mais fácil. Depois do domínio físico entra o domínio mental e, depois, o espiritual. Portanto, quando o praticante tem o total domínio dos três fatores, ele pode ser chamado de um mestre da arte marcial. O kung fu é um treinamento para se chegar a esse estágio e, consequentemente, diminui, sim, a agressividade. Um dos meios de preparar a mente no kung fu é fazer com que você aproveite o aqui e agora. Você não pode estar com a cabeça em outro lugar, pensando em outras coisas. É um processo de concentração. Isso é uma coisa que afeta muito a nossa sociedade nos dias de hoje. Principalmente o estresse, que é o apego exagerado ao futuro e a depressão, que é o apego ao passado. O kung fu prega o carpe diem e o auto-domínio, não agressividade. Não existe agressividade na arte marcial. A princípio não é o intuito, a não ser que a luta perca sua essência, como no caso da desportiva, por exemplo. Uma pessoa agressiva, que começa a treinar, tem duas possibilidades: uma delas é passar por uma grande transformação, a segunda é perceber que aquilo não serve para ela. Porém, infelizmente, esse tipo de pessoa vai encontrar escolas que prezam somente a luta e tudo o que é desenvolvido no treino é refletido na vida.

7) Como um praticante de kung fu lida com casos de violência na rua?

O praticante evita a violência ao máximo. Se fizermos uma estatística, o último que você verá brigando na rua ou no trânsito será um praticante de lutas marciais. Isso no caso do verdadeiro praticante, não do esportista. Se for possível virar as costas e sair andando é justamente isso que ele irá fazer. No entanto se não houver escolha, o artista marcial tem condições para se defender. Nenhum ser humano tem o direito de agredir ou tirar a vida de outra pessoa. Na arte marcial é possível usar a própria força do agressor contra ele mesmo. É preciso ter controle mental nessas horas, para ter capacidade para manter a calma e agir com cautela.

8) Já aconteceu algum caso com você?

Sim, já fui assaltado a mão armada três vezes. Deve-se saber lidar com a situação. Nunca se deve reagir. O melhor é dar a carteira ou o que for com muita tranqüilidade, pois isso pode custar a nossa vida. É preciso ter um controle sobre seu corpo e sobre a situação.

9) Como está a disseminação do kung fu no Brasil em relação aos outros países ocidentais?

As artes marciais brasileiras são muito respeitadas no mundo inteiro. São os esportes nas olimpíadas que mais trazem medalhas para o Brasil. Como o judô, o jiu jitsu, o caratê, o tae kwon do, etc. Em outros campeonatos, em se tratando da luta tradicional, o kung fu está entre os quatro melhores do mundo e é muito respeitado.


Comentário do livro “A corrida o século XXI - No loop da montanha-russa”


O livro de Nicolau Sevcenko trata basicamente da discussão da evolução tecnológica e suas vastas conseqüências na política, na cultura, no meio-ambiente e no comportamento da humanidade. Logo no início o autor compara a evolução tecnológica a uma montanha-russa, na qual podemos compreender o que significa estar exposto às forças naturais e históricas agenciadas pelas tecnologias modernas. A experiência da montanha-russa pode se dividir em três partes, representando diferentes momentos da história:

A primeira parte se trata da ascensão contínua que nos eleva e assegura nossas expectativas otimistas. Esta fase representa o período entre o século XVI até meados do século XIX quando ocorreu a Revolução Industrial. Foi nesse período de grande desenvolvimento que a Europa assegurou sua manipulação dos poderes e riquezas. Essa convicção otimista foi expressa na fórmula “ordem e pregresso”. Frase ironicamente usada também em nossa bandeira brasileira, considerando que somos um país de terceiro mundo.

A segunda fase da montanha-russa é o da queda e pode ser representada pelo período de 1870, com a chamada Revolução Científico-Tecnológica. A incorporação e aplicação de novas teorias científicas propiciaram o domínio e a exploração de novos potenciais energéticos. O otimismo, a expansão das conquistas européias e a confiança no progresso atingiram seu auge. No entanto, esses recursos tecnológicos geraram concorrências que culminaram em caos e terror expressados através da Primeira Guerra Mundial. Após esse período houve uma retomada do desenvolvimento científico e tecnológico, porem à sombra da Guerra Fria. O que significava que, independente de quais fossem os avanços, o que prevalecia era sensação de medo.

A terceira fase da montanha-russa é o loop. Ele representa o clímax da aceleração precipitada tecnológica, que criou um universo de possibilidades e expectativas imprevisíveis, irresistíveis e incompreensíveis. Sendo assim, instaurou-se na sociedade um sentimento de incapacidade e incompreensão. Fazendo com que as pessoas se conformassem e cessassem de tentar compreender esse novo mundo.

Esse sentimento de conformismo é denominado pelo autor de “síndrome do loop”. A síndrome faz com que as pessoas se sintam desobrigadas de criticar o sistema político-social em que vivem. Porém, felizmente, a síndrome tem cura. Para enfrentá-la é preciso desdobrar o tempo em presente, passado e futuro. É justamente isso que o livro faz, ele nada mais é do que o manual de cura para alienação das pessoas diante de um mundo que desde que começou a ser transformado não parou um segundo para pensar nas conseqüências e passou por cima de todas as éticas e morais da humanidade. Algumas das conseqüências dessas grandes mudanças já podem ser vistas, basta olharmos para o meio ambiente e para a vasta desigualdade social. No entanto, os meios usados para o avanço dessa tecnologia continuam sendo os mesmos. Por esse motivo o sistema no qual vivemos não deve e não pode deixar de ser debatido e criticado para que então possa ser usado a favor de toda a sociedade e não contra uma parte dela.

Segundo o autor, o uso da tecnologia aboliu nossa percepção sobre o tempo, assim como nossa percepção sobre o espaço. Este último é claramente demonstrado pela globalização. O fenômeno fez com que as grandes corporações pudessem ultrapassar e ampliar seus horizontes comerciais. A expansão do Liberalismo resultou no que de fato viria a ser a era da globalização. Tal medida garantiu uma infinita mobilidade e vantagens às empresas. Deste modo a tecnologia e essa nova organização dos negócios, dada sua rapidez e alcance, se esquivaram de qualquer controle e fiscalização. As empresas ganharam um poder de ação que superou o poder dos sistemas políticos e tornou a sociedade, assim como o Estado, subordinada ao novo sistema econômico liberal. Os trabalhadores, sem poder contar com o apoio de governo, se viram obrigados a trabalhar em condições extremamente exploratórias. O Estado de bem-estar social se tornou algo inimaginável em uma situação em que as empresas detinham o poder e a liberdade absoluta. Foi só com o surgimento dos partidos comunistas e com a Revolução Russa que as empresas se sentiram ameaçadas com uma provável revolução dos operários e começaram a negociar seus devidos direitos, prometendo assim o tão desejado Estado de bem-estar social.

Esta situação serve claramente para demonstrar o poder da massa. A hegemonia do capitalismo criou um sentimento de impotência em cada cidadão. No entanto, se todas as pessoas dispusessem de educação elas perceberiam que essa hegemonia pode ser destruída por meio das manifestações. É a partir daí que a população consegue aplicar seu poder e exigir das corporações os seus direitos. Acredito que o que falta é essa consciência de poder que o povo possui em suas mãos.

Infelizmente, o poder e o discurso do liberalismo se tornaram tão grandes que acabaram mudando até mesmo a ideologia da oposição, fazendo com que ambos os lados seguissem o novo dogma de sobrevivência em sociedade: o dogma da eficiência, o qual coloca a culpa da marginalização não no sistema vigente, mas nas próprias pessoas. Aqueles que são marginalizados o são pois não quiseram se enquadrar às regras da sociedade e se tornarem eficientes para a ela. Sendo que, em verdade sabemos que o próprio sistema capitalista não oferece oportunidades e naturalmente exclui uma parte da população, é disso que o capitalismo sobrevive. Essa situação em que ambos os lados adotaram o dogma lançado pelo sistema liberal acabou por cessar o debate político e gerou um censo conformista, denominado “pensamento único”. O que significa que o povo se rendeu as forças do mercado, deixando seu destino nas mãos dele e não mais na esperança de construção de um Estado de bem-estar social.

Nessa sociedade altamente modernizada e mecanizada não é mais a tecnologia que atende as necessidades dos homens. Agora é a sociedade que deve se adaptar ao ritmo e a aceleração das máquinas. Fato bem ilustrado no filme Tempos Modernos de Charles Chaplin. A aceleração tecnológica provocou não só uma mudança no comportamento, mas também nos valores da sociedade. As pessoas passaram a ser avaliadas não mais pelo que são, isto é, por suas qualidades; mas sim pelo que possuem. Os valores, portanto, se voltaram para o materialismo e a sociedade do “ser” se tornou a do “ter”. Essa nova valorização puramente visual foi logo intensificada pela a publicidade. O consumismo exacerbado que se instaurou passou a funcionar como um preenchimento dos vazios e tédios da sociedade e alimentava a crescente devoção ao prazer.

Tal busca felicidade e todas as formas de alegria passaram a ser um desejo imediato. Deste modo a mercadoria trabalhou arduamente para satisfazer essas vontades. Quando compramos uma roupa, por exemplo, estamos satisfazendo nosso desejo imediato, porém depois de um curto período essa roupa já não vai mais nos satisfazer e teremos que comprar outra. O consumismo não só satisfaz nossos ilusórios desejos como também, e principalmente, alimenta o mercado e favorece as empresas.

Com o mesmo intuito de preencher o espaço vazio e o individualismo que se instaurou na sociedade, surgiu a indústria do entretenimento. Esta, por sua vez, pretendia alcançar o maior número de pessoas pelo menor preço. O chamado “mercado das emoções baratas”. Foi nesse contexto em que surgiram o cinema e o parque de diversões.

Particularmente não vejo nenhum problema na indústria do entretenimento desde que seja usada com consciência e que não seja usada em detrimento da educação. O problema está, e não só nesta situação, quando fazemos o uso alienado dela. Se pudermos dispor da diversão desta indústria com um olhar crítico, ele não será algo superficial e alienador, mas sim uma simples forma de diversão da qual todos necessitam. No entanto, infelizmente, em geral o entretenimento é usado de forma alienante.

O resultado dessa nova era do consumo e do entretenimento alienado que se estabelecia é uma situação na qual as pessoas são estimuladas a concorrer umas com as outras e se tornarem individualistas pensando unicamente no próprio bem e no “aqui agora”, sem pensar no futuro e, muito menos, nas sociedades futuras.

Assim como o crescimento tecnológico resultou na mudança de comportamentos e idéias, o seu uso exacerbado e inconsciente resultou na devastação do meio ambiente. Hoje vivemos em meio a uma enorme poluição, gerando doenças, deformações e agravando o efeito estufa. Do mesmo modo estamos acabando com todas as reservas naturais e destruindo todas as espécies animais. Mesmo assim o ser humano insiste em seu crescimento tecnológico contínuo sem pensar nas conseqüências e gerações futuras.

Diferentemente de muitos estudiosos, o autor do livro não propõe regressarmos a uma era antepassada e abandonar a tecnologia. Nem mesmo propõe algum outro sistema de organização. Nicolau Sevcenko é um realista não radical. Sua proposta é simples e eficaz: é preciso que seja superada a síndrome do loop para que então haja discussão e participação de toda a sociedade nas decisões sobre o uso da tecnologia, para que, deste modo, ela possa ser usada cautelosamente e conscientemente, pensando não só no presente, mas também no futuro e não só como uma vantagem para uma pequena parcela da população, mas sim para a sociedade como um todo. A tecnologia deve ser usada a nosso favor, a favor da humanidade.

O meio é a mensagem

Para se compreender as relações entre o meio e a mensagem, é preciso, antes de tudo, retomar o contexto histórico em que surgiu o capitalismo e quais foram suas conseqüências e reflexos na sociedade. No período da Revolução Industrial, o desenvolvimento tecnológico acelerado permitiu a criação de novas máquinas e, consequentemente, novos meios de comunicação, os quais passaram a ter maior alcance. Nesse sentido, pode-se afirmar, portanto, que a revolução Industrial não se trata apenas de uma revolução das máquinas, mas também de uma revolução comunicacional que, por sua vez, gerou alterações no comportamento da sociedade. As pessoas passaram a ter novos valores e antes a máquina, que era regulada pelas vontades dos homens, passou a regulá-los. Marshall Mcluhan em sua tese analisa justamente como o desenvolvimento dos meios de comunicação refletiu na comunicação propriamente dita e na sociedade. Sua conhecida frase “O meio é a mensagem” sugere a idéia de que o meio, geralmente pensado como simples canal de passagem do conteúdo comunicativo, mero veículo de transmissão da mensagem, é um elemento determinante da comunicação. Ou seja, o meio, o canal, a tecnologia em que a comunicação se estabelece, não apenas constitui a forma comunicativa, mas determina o próprio conteúdo da comunicação. Segundo ele: “o meio é a mensagem porque é o meio o que modela e controla a escala e forma das associações e trabalho humanos. Os conteúdos ou usos destes meios são tão variados como incapazes de modelar as formas de associação humana. Em realidade o mais típico é que seu conteúdo nos impede de ver seu caráter”.

Nesse contexto de inauguração do capitalismo as pessoas passaram a ser avaliadas pelo que possuem e não pelo que são. Essa nova valorização puramente visual foi logo intensificada pelo mercado, que passou a ditar os valores dos produtos. Nesse sentido se cria a idéia de fetichismo de Marx, no qual prevalece uma sedução do objeto apenas pelo seu valor e não pelo seu uso. O consumismo não só satisfaz nossos ilusórios desejos como também, e principalmente, alimenta o mercado e favorece as empresas. É essa a idéia de falsa consciência também proposta por Marx. O indivíduo acaba aderindo ao discurso capitalista sem sequer perceber. A idéia de que temos consciência de nossas atitudes é falsa. A sociedade se torna um mero robô do capitalismo. Não se faz o que quer, mas sim o que o capitalismo nos manda fazer. Ao comprar um produto o indivíduo pensa ter consciência de sua atitude, mas, na verdade, está se rendendo às regras do capitalismo. Essa falsa consciência parte do ser capitalista fragmentado, isolado e alienado, que não conhece seu próprio papel na sociedade e no trabalho. Essa mesma teoria de Marx se insere no contexto da informação. As pessoas acabam se importando mais com o meio ou o veículo (equivalente ao valor de troca) e menos com a mensagem (equivalente ao uso), que vira um fator secundário. A Rede Globo, por exemplo, se torna mais importante do que a mensagem veiculada por ela. Segundo McLuhan: “Os homens criam as ferramentas e as ferramentas, por sua vez, recriam os homens. Os recursos com os quais se difundem as palavras são mais relevantes do que as próprias palavras”.

A reificação é uma conseqüência desse sistema, que coloca os indivíduos como mera mercadoria. Esse fenômeno é produzido pela burguesia, que rebaixa a consciência da população e instaura ambições que levam a competição. Assim, se cria a sociedade partilhada e individualista e, consequentemente uma consciência semelhante. O valor que se instaura a partir disso é aquele comumente vivenciado atualmente, o de “ver e ser visto”. Os cidadãos vão ao teatro municipal, não exatamente pelo espetáculo em cartaz, o conteúdo é desvalorizado e o foco principal é ganhar status. Enquanto isso as apresentações de mesma qualidade do SESC permanecem vazias.

A hegemonia do capitalismo criou um sentimento de impotência em cada cidadão. Segundo Gramsci a hegemonia é semelhante à sedução do discurso. A sociedade aceita valores e discursos ideológicos como se fossem naturais, criando, desta forma, o senso comum e reafirmando o poder capitalista. Um indivíduo pode defender o mercado sem nem mesmo o conhecer de fato, simplesmente porque ouviu na TV ou porque ouviu de sua família a vida toda. Nesse sentido a mídia, por ter uma enorme repercussão, se torna um dos principais meios responsáveis por tornar um discurso hegemônico e universal. Essa é uma das conseqüências do meio ser a mensagem. O que é dito na televisão se torna facilmente verdade, tornando também mais fácil difundir ideologias e torná-las hegemônicas. Segundo Gramsci “a mídia é o grande partido da burguesia”.

Para ele, a hegemonia é mais importante do que a ideologia. É preciso ter vários discursos ideológicos para que haja um equilíbrio e a ideologia não se torne hegemônica. É preciso salientar que nem todo discurso ideológico se torna hegemônico. A hegemonia não pode ser imposta à força, ela é transmitida por meio da sedução, tornando-a mais emocional; enquanto a ideologia pode ser imposta por meio da força e por meio de argumentos, fazendo-se mais racional. Em geral grandes instituições, além da mídia, como universidades e igrejas, por exemplo, possuem poder hegemônico, pois são capazes de mudar concepções e valores.

Esse estudo entre a sociedade e seu sistema se insere também nas teorias de outros pensadores. Segundo a Escola de Frankfurt, a indústria do consumo absorve todo e qualquer tipo de manifestação crítica, transformando-a em capital ou em material produtivo. A indústria cultural é a responsável por absorver as críticas e torná-las parte do ciclo, adequando-as de alguma forma ao pensamento capitalista. Toda manifestação cultural acaba virando bem de consumo e perdendo sua integridade autoral. Distorcida pelo capitalismo, a produção artística e cultural de toda uma sociedade acaba virando ideologia. Adorno, um dos fundadores do grupo, percebeu que o sistema de troca de mercadorias é capaz de integrar ao seu mecanismo coisas que na verdade não têm um valor mercadológico. O mercado absorve, reifica e massifica toda a sociedade e sua produção cultural. Ele explica essa idéia com a seguinte metáfora: se o poder fosse um leão, a ideologia seria sua fúria contra o antílope que quer comer. Nesse sentido, mercado é, novamente, quem determina o valor e a qualidade dos objetos. O valor da produção humana é delimitado pelo meio em que está inserida, pela sua repercussão, marca ou forma. Assim, o meio se torna a mensagem.

Para Freud, a civilização não existe sem limites e proibições. Em seus estudos a respeito do complexo de Édipo, ele metaforiza o prazer na figura da mãe; e a limitação, a regulação desse prazer, que chama de realidade, na figura do pai. Assim, o abismo interno de todo indivíduo é a distância entre prazer e realidade. Esse vazio interno, a distância entre o que somos e o que queremos, é o principal alvo de ataque da indústria do consumo. Evocando os desejos mais profundos do ser humano, através de símbolos e estímulos ao subconsciente, o mercado torna objeto de consumo qualquer coisa que lhe parecer atraente.

Uma vez inserida na sociedade da técnica e do consumo, qualquer coisa pode se tornar mensagem. A mídia hegemônica trabalha para veicular o que possa servir como informação e o público trata de consumi-la. mesmo que seja desnecessária. O cotidiano da mídia sensacionalista serve como exemplo: captura-se uma série de fatos isolados, que, uma vez inseridos no espaço público, tornam-se mensagens, como no caso da menina Eloá.

Já para Nietzsche, não existe uma verdade absoluta das coisas. A verdade existe para cada um, e é apenas a maneira como talhamos o mundo de acordo com nossos interesses, a partir da nossa visão individual. Nesse sentido, todo pensamento é uma forma de ideologia e ilusão, mas que se coloca como necessária para a sobrevivência do indivíduo frente às restrições lhe impostas pela sociedade.

A ideologia, para ele, é o conjunto de pensamentos individuais, que, uma vez reunidos passam a simbolizar um domínio estático desvinculado dos valores metafísicos. Na civilização atual, tudo é imediato, efêmero e insignificante, e o desenvolvimento de diferentes racionalidades é uma das conseqüências do fluxo inexato de informações.

Se, para Nietzsche, a razão é um conceito subjetivo, uma organização do mundo para fins pragmáticos, o meio não necessariamente é mensagem. A mensagem obtida a partir de uma informação qualquer dependerá da interpretação de seu destinatário. O meio, portanto, pouco importa para que essa mensagem seja compreendida.

Coca-Cola é a solução!


Ursinhos polares na época do natal, pessoas festejando em ano de copa do mundo, mulheres e muita energia no carnaval são comemorações importantes e de certa forma unificam os cidadãos por um breve momento. Mas é claro, em situações tão felizes como essas não poderia faltar a grande responsável por tal felicidade: a Coca-Cola!

Em uma de suas propagandas a Coca-Cola adaptou um conhecido jogo de videogame denominado GTA, o qual consiste, assim como muitos videogames, em fazer apologia à violência. O jogador, através de seu personagem deve roubar carros, casas e pessoas para conseguir dinheiro e eventualmente fugir da polícia. A propaganda da Coca-Cola, contudo, usa o jogo e o mesmo personagem para fazer o oposto. Aquela cidade cheia de crimes vai se transformando, na medida em que o personagem, com o refrigerante na mão, faz coisas boas e surpreende as pessoas ao redor, tornando a cidade mais alegre. O comercial transmite a idéia de que com o refrigerante se tem o poder de fazer grandes coisas e tornar o ambiente mais feliz, instigando assim o desejo constante de prazer e busca da felicidade de cada indivíduo. O personagem, que é o anti-herói no videogame, se torna o herói da cidade no comercial. É interessante salientar que o videogame faz sucesso por ser violento, porém a situação oposta colocada pela propaganda faz sucesso da mesma forma. Exemplo dessa repercussão é a fala de um menino retirada de um fórum na internet: “Muito boa! O cara virou totalmente o contrário do que era no jogo. Viu, deveríamos dar Coca-Cola nos presídios! Ta aí a solução dos problemas..”

Conforme seu discurso publicitário, o refrigerante mais famoso do Brasil tem o poder de fazer das pessoas, seres mais alegres, contentes, poderosos, extrovertidos e divertidos. Do mesmo modo, ele também aparece nos dias mais rotineiros para nos trazer um ânimo e melhorar nossas vidas, e independente do contexto, vem acompanhada de seu infalível apelo, expresso no slogan: “Viva o lado Coca-Cola da vida”. Em outras palavras, o lado bom, o lado divertido ou o lado alegre da vida. Varia conforme o estado de espírito e o contexto em que o consumidor usufrui o produto e, principalmente, segundo o contexto usado na propaganda. Mas o mais importante mesmo é ser onipresente. De período em período é lançada uma nova propaganda do produto, para que ele não seja esquecido e se faz, deste modo, uma espécie de lavagem cerebral. Por esse motivo quando se vai almoçar fora com os amigos ou a família, lá estará a Coca-Cola, alguém sempre lembrará de pedí-la para acompanhar a refeição e, quem sabe, aquele momento não se tornará mais feliz. Será?

Deve-se ressaltar que a publicidade da Coca-Cola é sempre de ótima qualidade e um alto nível de criatividade, o que contribui significativamente para seu consumo. Em um mundo capitalista a publicidade é um fator central, por isso somos obrigados a receber um enorme bombardeio de propagandas a cada dia. Aquelas que conseguem se destacar dentre as outras geralmente ganham maior credibilidade e conseguem vender mais. Nesse sentido, além da qualidade e criatividade, a propaganda da Coca-Cola possui um caráter muito forte e marcante, apostando sempre no sentimento e sempre sintonizada no momento presente, marcando uma época e, mesmo quando remete ao passado, a intenção é relacioná-la com o presente. Ao contrário da publicidade da Pepsi que caminha muito longe da principal concorrente. Ciente de seu posicionamento no mercado, a marca trabalha o “explorar o novo”, o “tentar alguma coisa nova”, como um jeito de dizer “saia da rotina Coca-Cola”. A Pepsi costuma usar celebridades em suas propagandas, como ícones do futebol (Ronaldinho Gaúcho, David Beckham) e da música (Britney Spears, Beyoncé, Shakira).

Heavy Metal na Virada Cultural em São Paulo

Em 4ª edição, Virada Cultural abre espaço na programação para bandas de Heavy Metal




O gênero musical do heavy metal e suas vertentes de rock pesado, sempre deixados de lado, este ano foram finalmente lembrados e ganharam espaço na quarta edição da Virada Cultural, realizada nos dias 26 e 27 de abril. O gênero não só foi incluído na programação do maior evento que ocorre na cidade de São Paulo, como também ganhou um palco exclusivo, localizado na Praça da República.

O novo espaço contou com bandas dos variados tipos de rock. Desde o pop rock de bandas como Cachorro Grande, Arnaldo Antunes e Ultraje a Rigor, entre outras, até o Metal extremo de Korzus, Volcano, Vodu, Overdose, Andréas Kisser & Brasil Metal Stars, que se apresentaram durante a madrugada no palco denominado Rock República. Entretanto, a apresentação mais esperada por todos os metaleiros e headbangers presentes na Virada estava marcada para começar a uma da madrugada com a presença internacional de Paul Di’Anno.

Eternamente lembrado como ex-vocalista do Iron Maiden, Paul Di’Anno apresentou na íntegra o segundo álbum da banda na época em que ainda era vocalista, intitulado Killers, lançado em 1981. Para surpresa de todos o vocalista também apresentou algumas faixas do primeiro disco do Iron Maiden e algumas de sua carreira solo como Chemical Imbalance. Apesar de sua saúde debilitada, apoiando-se em uma bengala ao entrar no palco e, por conseqüência, com um show relativamente fraco, o público o apoiava cantando junto todas as músicas do repertório com grande agitação e balançando suas cabeças. Alguns, não contentes em apenas ouvir as músicas, subiram nas árvores para enxergar melhor. Por diversas vezes o cantor pediu desculpas pelas más condições de sua voz, mas isso não o impediu de prosseguir o espetáculo. Di’Anno abriu seu show com o clássico Wrathchild e seguiram-se vários outros como Remember Tomorrow, Running Free, Sanctuary, com direito até mesmo a cover de Ramones com Blitzgrieg Bop. Dois fãs conseguiram subir ao palco durante o show, deixando o vocalista visivelmente irritado. Ele chegou a pedir que nenhum outro fã tentasse fazer isso novamente. Com a segurança reforçada não houve mais problemas. Apesar das situações controversas e o mau estado de Paul Di’Anno, para os fãs valeu a pena presenciar o show da lenda viva do heavy metal.

Às 3 horas da manhã foi a vez de Andreas Kisser & Brasil Metal Stars subirem ao palco. O guitarrista do Sepultura contou com a companhia de Derrick Green, também do Sepultura, Hugo Mariutti, guitarrista da antiga formação do Shaaman e outros convidados. A união dessas grandes personalidades do Metal rendeu uma ótima performance que levou o público ao delírio. O clima era de grande excitação e o público não parava de fazer grandes rodas de bate-cabeça. Entre o repertório das músicas estavam diversos covers de bandas como Metallica, Slayer e Anthrax. Dentre eles Metal Militia e Raining Blood, que agitou ainda mais o público.

Apesar do horário não muito conveniente, a banda Korzus realizou um show bastante agitado às 9da manhã. Os fiéis fãs metaleiros e headbangers não deixaram passar nenhum show em branco, independentemente do horário. Como se fosse um dos primeiros shows da noite, o público não aparentava estar cansado. Muito pelo contrário, estava disposto a mais uma apresentação de metal pesado. Ao som de Guilty Silence, Bullshit, Wall of Death e diversas outras músicas da banda, os fãs balançaram bastante a cabeça e formaram rodas de bate-cabeça. Fazendo uma retrospectiva da longa carreira, a banda de thrash metal realizou um show bastante satisfatório.

Caso Dantas e o Espaço Público

No início do mês de julho deste ano, o Brasil assistiu passivamente a um acontecimento histórico. Após muitos anos de corrupção o banqueiro Daniel Dantas foi surpreendido em sua casa com um mandado de prisão da Polícia Federal. O acontecimento fez parte da seqüência de prisões, dentre elas a do ex-prefeito de São Paulo Celso Pitta e também do investigador Naji Nahas, entre outros 20 membros do Opportunity, que também estavam relacionadas com a prisão do banqueiro. A exemplar atitude do delegado Protógenes Queiroz deveria incentivar a sociedade a lutar contra a corrupção, enquanto que a atitude vergonhosa do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes deveria causar revolta. Há uma nova esperança para o país e a população não deve e não pode assistir de braços cruzados através da telinha limitada da televisão. Nem todos os dados e todas as verdades foram veiculados na mídia durante este período de denúncias e escândalos. As emissoras manipularam as informações de acordo com seus interesses, invariavelmente elitistas. Enquanto isso o assunto principal do boca a boca continua sendo a novela das oito.

O emaranhado de corrupções finalmente veio à tona, mostrando que o problema é muito maior do que se imaginava. Há pessoas de diversos setores envolvidas, causando uma teia que abrange e atinge grande parte dos interesses políticos e financeiros, inclusive os das emissoras. Algumas notícias, porém, a mídia não pôde deixar de divulgar e por motivo simples: não há como esconder o escândalo. As chances de mudanças, portanto, são muito mais propícias. O espaço público brasileiro hoje é pautado principalmente pela televisão. Isto é, o que se assiste nela é o que está sendo discutido. A televisão é a maior Ágora dos cidadãos brasileiros. Se o tema foi posto em debate, todos como bons cidadãos, deveriam participar e realizar discussões, bem como se reunir para criticar e manifestar. Em sua ampla definição, a Ágora mais poderosa do Brasil deveria ser usada como um instrumento de mudanças. Entretanto o debate proposto pelos veículos é superficial, em razão do pouco interesse de grande parte da população. Muitas pessoas, inclusive, sequer estão informadas sobre o acontecimento, no entanto, se forem questionadas a respeito da última revista “Caras”, muitas saberão responder facilmente. Este tipo de alienação é extremamente conveniente para a mídia, de tal forma que a livra do compromisso de divulgar maiores informações e denunciar o caso. Cabe à população trazer o tema para o espaço público, para que então ele deva ser aprofundado nos meios midiáticos. Afinal quem sustenta essa grande “praça virtual” são seus telespectadores, os cidadãos brasileiros.